segunda-feira, 30 de março de 2009

Além do Pensamento Simbólico - Uma breve entrevista com John Zerzan 
Por Kevin Tucker, "species traitor" #3, Primavera de 2003 

Parece que nem um outro anarquista mostrou tanto interesse no conceito de pensamento simbólico como John Zerzan. Nas últimas décadas, John devotou seu trabalho a um pensamento crítico da totalidade da civilização, do pensamento simbólico à miséria diária de sua forma de viver e as falhas da Esquerda. Seus ensaios sobre a origem da civilização foram organizados em "Elementos de Recusa", "Futuro Primitivo" e mais recentemente em "Correndo no Vazio - a Falha do Pensamento simbólico". Ele editou "Against Civilization" (Contra a Civilização), e é co-editor de "Questioning Technology" (Questionando a Tecnologia). 

Kevin Tucker: Como você distinguiria a cultura simbólica e o pensamento simbólico, e qual a relação disso com a civilização? 

John Zerzan: O que seguiu depois que as espécies começaram a simbolizar constitui a cultura simbólica. Essa mentalidade vem para definir o que o pensamento é, e  a parte sensorial da experiência vem para dar caminho à experiência simbólica; isto é, a experiência direta foi reduzida a zero. 
Este limitado e projetado modo cultural é relacionado diretamente com a civilização, que é o produto do controle continuo visando a domesticação. 
A cultura simbólica nas formas de arte e cultura, por exemplo, envolve representar a realidade sendo assim processado como substituto da experiência direta. Elas emergem como sociedades desenvolvendo desigualdades que expressam-se em papeis especializados e áreas de autoridade separatista. O simbólico pode ser visto como uma tecnologia, que trabalha para a realidade como uma força de dominação. Uma perspectiva similar é a "razão instrumental" de Horkheimer e Adorno, significando que a civilização vem para infundir ou deformar a racionalidade em padrões da lógica do controle. 
Freud viu que a civilização é a condição necessária para o trabalho e a cultura triunfar; a saber, a renúncia forçada da liberdade de instinto e Eros. Entendido nesse sentido, fica mais fácil compreender a íntima conexão entre a cultura simbólica e a civilização. 

Kevin Tucker: O quanto atrás devemos procurar com uma crítica da civilização e por que? Qual é o significado de buscar tão longe? 

John Zerzan: Eu não penso que é possível desenterrar as profundezas ou origens da civilização sem examinar de forma crítica as divisões de trabalho ou a especialização. No poder efetivo dos especialistas - possívelmente o pajé como o primeiro caso a ser visto - está o começo das desigualdades na sociedade humana. Uma instituição desta simplicidade, é claro, foi grandemente deixada de lado. Como é possível ter vida moderna sem a divisão do trabalho? Mas certamente é isto que estamos colocando em questão! A Modernidade é vista de forma cada vez mais impossível e nós estamos conduzindo admiravelmente das raízes ao extremo da sociedade "avançada". O que impulsiona essa trajetória? 
Divisão do trabalho conduz à produção em massa, mesmo nos tempos antigos, e isso requer coordenação e justificativas. Chefes, patrões, padres vem disto. No começo gradual e sem alarde e depois o rápido desenvolvimento da especialização direciona o trabalho braçal para a domesticação, a base que define a civilização. 
O controle/contenção toma seu próximo passo com a propriedade privada, mas certamente o poder para dominar animais e plantas (domesticação) trouxe a civilização rapidamente, em termos relativos. E as elites nascentes que eram sustentadas pelo aumento da divisão trabalho proveram a fundamentação para a mudança definitiva para a domesticação. 

Kevin Tucker: Na sua visão, como as pesquisas e estudos científicos associadas com a antropologia e arqueologia pesam comparado com o que sabemos hoje, sobre nós mesmos ou sobre as tribos e bandos remanescentes de vários níveis de existência civilizada? 

John Zerzan: Eu concordo com aqueles que dizem que consultar nossas próprias vidas é mais ao ponto, mais potente que considerar a literatura antropológica e arqueológica. Mas eu penso que é válido também considerar as evidências do passado que demonstram um estado de "anarquia natural" que foi obtida por um longo tempo. Esse cenário é uma inspiração para mim, a realização do prevalecimento de formas de viver não hierarquizadas que constituem a única bem sucedida e sustentável adaptação para o mundo que nossas espécies conheceram. Nossa visão, nossa crítica da civilização não depende de um cenário ou registro, mas pode ser desenhado com base nisto. 
Muitos de nós estamos significantemente longe de ser removido da existência domesticada que qualquer indígena vivente. Isto é importante para os ditos anarquista verdes como eu para aprender com eles e apoiar suas causas.                            

Kevin Tucker: Como como algo como a linguagem tomou forma? VocÊ acha que a mudança com a linguagem e a arte necessariamente trouxe-nos para a agricultura ou há aí algum ponto de mediação em que nós estamos ainda imbuídos pelo "outro" (estado selvagem)? 

John Zerzan: Ninguém sabe quando a linguagem se originou. (A fala, mais exatamente; nós podemos datar a linguagem escrita pela evidência de artefatos). É um dos mais interessantes mistérios de todos, eu diria. Só há realmente palpites, alguns dizendo que é bem recente ( emergindo no Alto Paleolítico, digamos, contemporâneo com as primeiras pinturas nas cavernas aproximadamente 35 mil anos atrás) e outros figurando que a fala humana começou mais aproximadamente na ordem de milhões de anos atrás. 
Se a linguagem e a arte apareceram mais ou menos juntos aproximadamente recente com a véspera da agricultura então uma forte ligação com a domesticação é sugerida. E obviamente, se há um longo espaço entre suas origens, então somente a arte deve ser ligada à domesticação. Mas me parece muito possível que há uma conexão - de novo, pelo menos, em termos de arte e agricultura. Eles estão bem próximos em relação ao tempo, afinal. 
Se a fala é muito antiga - e nós podemos nunca saber - então talvez o "ponto de mediação" é aquele período depois da fala e antes da arte. Aquele longo período quando a divisão do trabalho não avançou e a cultura simbólica como nós conhecemos não existia. 

Kevin Tucker: Como você vê o futuro da civilização e onde uma crítica do pensamento simbólico pode nos levar? 

John Zerzan: A civilização tecnológica está realizando a eliminação do mundo natural e novos e profundos choques individuais e sociais. Isto está consumindo, empobrecendo e destruindo todo o planeta, como todos podem ver. Não tem futuro. 
A crítica do pensamento simbólico revela como esse virus maligno originou e como poderemos agir para evitar a réplica da civilização quando ela cair. 

Kevin Tucker: Você sente que pode haver uma consciência voltada contra o simbolismo e/ou a civilização? Ou você sente que a totalidade da civilização tenha criado um relacionamento de dependência que os "domesticados" se agarrarão fortemente a isto? Você vê a anarquia sendo trazido pelos domesticados ou por aqueles que se voltaram contra sua domesticação revoltando-se contra os agentes da civilização? 

John Zerzan: Deve haver uma consciência voltada contra o simbólico e a civilização, e eu penso que isto já começou. O outro lado dessas dimensões, de fato, esteve sempre presente e agora está crescendo com uma crise generalizada que aumenta. 
Um relacionamento de dependencia é obtido, na minha opinião, ou isto pode ser facilmente chamado de "sendo preso como refém". Nós temos todos que desaprender a domesticação, e a quebra mais radical com a domesticação na sociedade irá ocorrer, eu diria, quando se tornar claro que a civilização é mais uma falácia que uma qualidade. Quando a miséria e a devastação ecológica, por exemplo, alcançar um certo nível e ao mesmo tempo, uma alternativa viável possa ser vista como mais prazerosa, segura e razoável. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário