sexta-feira, 1 de maio de 2009

Feral

Fe-ral adj. Selvagem, ou existente em um estado natural, assim como ocorre com animais ou plantas; o que foi revertido da domesticação ao estado selvagem. 

Nós existimos em uma "paisagem de ausência" na qual a vida real está sendo sistematicamente escoada pelo trabalho degradante, o falso ciclo do consumismo e das futilidades mediadas pela dependência tecnológica. Hoje em dia não é só o estereótipo do yuppie viciado em trabalho que tenta enganar seu desespero através da atividade, preferindo não contemplar um destino não menos estéril do que o do planeta e a subjetividade (domesticada) em geral. Todavia nós somos confrontados pelas ruínas da Natureza e pela ruína de nossa própria natureza, a absoluta grandeza do amontoado de insignificâncias e inautenticidade por um tanto de mentiras. Ainda é trabalho monótono e envenenamento para a vasta maioria. Enquanto uma pobreza mais absoluta que a pobreza financeira deixa mais desolada a zona morta universal da civilização. Potencializados por computadores? Mais para infantilizados. Uma era de informação caracterizada pela comunicação intensificada? Não, pelo que poderia pressupor experiências que valeriam a comunicação. 
Um tempo de imprecedente respeito pelo individuo? Tradução: a escravidão assalariada necessita da estratégia do trabalhador autônomo na produção para evitar a contínua crise da produtividade, e as pesquisas de mercado devem direcionar cada "estilo de vida" ao interesse da cultura do consumidor.   
   
Nessa sociedade invertida, a solução para o massivo uso alienado e induzido de drogas é um bloqueado na mídia, com resultados tão embaraçantes quanto às centenas de milhões de gastos fúteis contra o aumento da abstenção eleitoral. (em muitos estados dos Estados Unidos o voto é facultativo). Enquanto isso a TV, que é a voz e a alma do mundo moderno, sonha em vão atrair a atenção ao crescimento da ignorância e do que restou da saúde emocional através de propagandas de trinta segundos ou menos. Na cultura industrializada de depressão irreversível, do isolamento e do cinismo, o espírito será o primeiro a morrer, e a morte do planeta será apenas uma lembrança tardia. Assim será, ao menos que apaguemos essa ordem podre, com todas as suas categorias e dinâmicas. 


Enquanto isso, o desfile de oposições parciais (portanto falsas), continua pelos seus caminhos habituais. Há os Verdes (partidos de cunho ambiental) e similares que tentam prolongar a vida do eleitorado, baseados na mentira de que é válido uma pessoa poder representar outra; esses tipos poderiam perpertuar apenas mais um espaço para o protesto, ao invés de ir direto à raiz da questão. O "movimento" pacifista exibe, em cada (uniformemente patético) gesto, que ele é o melhor amigo da autoridade, da propriedade e da passividade. Só para ilustrar: em maior de 1989, no vigésimo aniversário da luta pelo Parque do Povo de Berkleya, milhares de pessoas lutaram de forma admirável, destruindo 28 estabelecimentos comerciais e ferindo 15 policiais; Julia Talley, porta-vos do movimento pacifista declarou que "essas manifestações não possuem lugar no movimento pacifista". O que traz à toana os fatais estudantes irresponsáveis na Praça Tiananmen, depois que o massacre de 3 de Junho começou, tentando impedir os trabalhadores de lutar contra as tropas do governo. E a verdade é que a universidade é a fonte número um da estrangulação lenta conhecida como reforma, a recusa do rompimento qualitativo com a degradação. O Earth First! reconhece que a domesticação é a questão fundamental (ex. de que a própria agricultura é maligna), mas muitos de seus membros não vêem que nossa espécie possa se tornar selvagem novamente. 

Os ambientalistas radicais entendem que a transformação de florestas nacionais em áreas de extrativismo legalizado é meramente parte do projeto que também busca a própria eliminação dessas áreas. Mas terão que buscar o selvagem em todos os lugares, não só em áreas selvagens que são vistas como reservas isoladas. 

Freud viu que não há civilização sem a renúncia forçada dos instintos, sem uma coerção monumental. Mas, devido as massas estarem basicamente "ociosas e ignorantes", a civilização é justificável segundo Freud. Este modelo ou prescrição foi baseado na idéia de que a vida antes da civilização era brutal e miserável, uma idéia que tem sido surpreendentemente invertida nos últimos 20 anos. Em outras palavras, antes da agricultura, a humanidade existiu num estado de graça, tranquilidade e em comunhão com a natureza que hoje dificilmente poderíamos compreender. A perspectiva da autenticidade surge nada menos do que a partir de uma dissolução total da estrutura repressora da civilização, da qual Freud descreveu como "algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria, que sabia como obter a posse dos meios do poder e coerção." Nós podemos ainda continuar pelo caminho da domesticação e destruição ou irmos em direção à revolta otimista, apaixonada e selvagem, que aspira em dançar sobre as ruínas de relógios, computadores, e a destruição da imaginação e vontade o qual chamamos de trabalho. Podemos justificar nossas vidas por algo menos que esta política de raiva e sonhos? 



TexTo De:John Zerzan

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